“Bingo – O Rei das Manhãs” | Crítica

Postado em set. 06, 2017

Com ambientação impecável, filme conta a polêmica história do palhaço “Bozo”, líder de audiência nos anos 1980.

Lancheiras, mochilas, roupas, jogos, bonecos, tema de aniversários… Bozo estava em tudo! As crianças adoravam o palhaço colorido com risada engraçada que inventava um bordão a cada programa enquanto brincava, sorteava prêmios, lia cartinhas, atendia telefonemas e dançava com seus amigos: Vovó Mafalda, Papai Papudo e Salci Fufu. Tudo no melhor jeitinho brasileiro da década de 1980, trazendo convidadas picantes e vários desenhos animados como Pica-Pau, Popeye, Looney Tunes e Papa-Léguas. O show ia ao ar toda manhã no SBT, que comprou os direitos do palhaço americano para trazer ao Brasil e ganhar o público infantil.

O primeiro intérprete do palhaço foi Wandeko Pipoka, que durante 02 anos deu vida ao personagem e foi substituído por Luís Ricardo em 1983. Descontente com isso, o apresentador ficou pouco mais de um ano no cargo e passou as rédeas para Décio Roberto (que era membro de circo) e Arlindo Barreto (que tinha pequenos papéis em algumas novelas globais). Os dois trabalharam juntos no show do Bozo durante 04 anos.

E é sobre a história de Arlindo Barreto que o filme “Bingo” se baseia. Por uma questão de direitos autorais o nome Bozo não pôde ser usado e, desta forma, o nome verdadeiro do ator também foi alterado para Augusto Mendes. De acordo com o próprio Arlindo em entrevista para o jornal O Globo, o palhaço acabou sendo “romantizado” durante o longa para fazê-lo ser um pouco mais dramático e simbólico

Foi por muito pouco que não tivemos Wagner Moura no papel do palhaço. Se não fosse por sua agenda cheia devido as gravações para a série “Narcos”, da Netflix, provavelmente o teríamos visto no longa. Mas, devido a este contratempo, o próprio ator indicou Vladimir Brichta, e que escolha! A atuação é incrível e podemos sentir várias nuances de um mesmo personagem que se mostra mais complexo do que imaginávamos.

Com direção de Daniel Rezende, o filme é apenas baseado na vida de Arlindo, mas não expressivamente fiel. Vários acontecimentos foram alterados drasticamente (como a cena em que seu nariz sangra ao vivo, por exemplo) para dar mais dramaticidade ao problema com as drogas. Outros fatores também, como a rejeição da mãe do Bingo por parte do canal de TV, o evento em que ele acaba se machucando em seu próprio apartamento, sua demissão em razão do vício, tudo isso não ocorreu de fato, mas acabou tornando a trama um pouco mais profunda do que a realidade.

Arlindo sofreu com seu vício e a decadência que isso trouxe a sua vida pessoal. A má conciliação da fama com o sucesso e a negligência familiar de fato foram conflitos que pairaram sobre o ator durante o tempo em que comandava o programa. O importante é que essa essência é capturada com maestria. Outros fatores, como o caso com a cantora Gretchen e seu casamento com a diretora do programa, realmente aconteceram.

Também é verdade que ele acabou “tomando aulas” com um palhaço profissional para poder apresentar o programa e é uma lindíssima homenagem ver Domingos Montagner ensinando ao Bingo como se portar e agir, além da performance que temos o privilégio de assistir. O ator, que nunca escondeu sua paixão pelo circo, faz uma breve, porém marcante e simbólica aparição que dá uma certa delicadeza ao filme. Ótima sacada do diretor.

Os dramas pessoais são bem explorados, tanto na questão do filho de Bingo (que além de sofrer com a ausência de Augusto não pode contar para ninguém que o tão famoso palhaço é seu pai), quanto nas aparições da mãe do protagonista, que vibra por suas conquistas, mas receia pelo rumo que ele está tomando.

Todos os personagens são bem construídos, desde a ex-mulher de Augusto, que pouco aparece, até o câmera-man do programa, que acaba se tornando um amigo importante na vida do protagonista, acompanhando no uso de drogas e nas festas. A fotografia é bonita, a atuação é impecável, a trilha sonora é de dar inveja e vários planos e enquadramentos são essenciais e muito bem construídos com valor simbólico (como a cena em que Bingo caminha pelo corredor, após sua demissão, e as luzes vão se apagando conforme ele passa, remetendo a sua estrela na televisão, que vai se apagando, e também a uma fala de sua mãe, no início do filme, que o compara a uma mariposa, que precisa de “luz” para viver).

Um ponto que Arlindo fez questão que estivesse presente no filme foi sua conversão para a igreja evangélica, até por que é devido a isso que conseguiu forças para se curar dos vícios e modificar sua vida. Ele, inclusive, faz uma aparição como o pastor que acolhe Bingo em sua igreja e o permite continuar fazendo shows como o palhaço. Porém é inegável que o final do longa acaba sendo um pouco “corrido”, não acompanhando exatamente a recuperação do acidente até a frequência de Augusto nos cultos, levando a crer que foi uma transição rápida do “fundo do poço” até o “topo do mundo”.

De toda forma “Bingo – O Rei das Manhãs” cumpre seu papel como filme. Mesmo sem a fidelidade a todos os eventos que rondaram a carreira de Arlindo, a essência foi bem capturada e nos traz todos os conflitos e indecisões por quais ele passou durante os 04 anos que comandou o programa.

Nota: 08

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.