“Death Note” | Crítica
Postado em ago. 30, 2017
A versão da Netflix é tão ruim quanto estão dizendo?
Inspirada no mangá “Death Note” e com direção de Adam Wingard (“A Bruxa de Blair”), a nova produção da Netflix aparentemente não agradou muito quem assistiu. O filme conta a história de Light (Nat Wolff), que encontra um caderno pertencente ao Deus da Morte. O objeto contém o estranho poder de provocar a morte de todos aqueles que tenham o nome escrito nele.
Alucinado com este poder, Light começa a provocar a morte de centenas de pessoas as quais ele considera não merecerem viver, a fim de tornar a Terra um lugar “ideal”. Porém, seus planos são ameaçados quando o detetive “L” (Lakeith Stanfield) promete descobrir a identidade do assassino e colocá-lo atrás das grades.
Seja como filme ou como adaptação, a produção possui grandes falhas e torna a história (que originalmente era bem elaborada e inteligente) em algo raso e superficial, descaracterizando os personagens e soando até mesmo sem sentido em alguns momentos.
Falando como grande fã do anime, é inevitável se decepcionar. Em certos momentos chega a ser insultante e desconfortável assistir, pois a produção pouco segue a obra original e deixa falhas em vários pontos. Death Note fez (e faz) sucesso por ter uma história bem construída, pelos diálogos inteligentes, pelas questões que levanta sobre justiça e livre arbítrio. Totalmente diferente da versão da Netflix, que é rasa, insustentável e tem como base um relacionamento de duas pessoas que mal se conhecem.
Não há graves problemas na atuação e pode-se notar que o elenco fez o que podia para passar emoção e um pouco de veracidade seguindo o roteiro, porém é praticamente impossível jogar toda a complexidade de personagens tão singulares em um filme de uma hora e meia.
Antes de julgar o conteúdo do filme, queria ressaltar que não tenho certeza do que a Netflix pretendia fazer com essa produção. Ao que tudo indica, eles não planejavam uma adaptação perfeita e exata da obra original, mas pegar a ideia e transformar em algo novo. Uma visão mais teen, que chamasse público e mostrasse que conseguiram pegar um conceito e criar um longa completamente diferente.
Se esse foi o intuito, infelizmente falharam miseravelmente, pois mesmo que consideremos que não há qualquer relação entre as duas produções, a “nova versão” é inconsistente em inúmeros aspectos (mesmo que vista sem considerar o anime).
A começar pelo início. A introdução dos personagens e das regras do Death Note é bem diferente de como ocorre no anime, que mostra cuidadosamente um Light extremamente inteligente, que leu direitinho as instruções e presumiu a chegada de Ryuk. Já na versão da Netflix, bem…
Entendo que quiseram “humanizar” o personagem e fazê-lo ter uma reação mais “comum”. Só que o problema é que o lance do Light é justamente não ser um humano qualquer. A reação à primeira morte também é bem ridícula, levando em conta que o protagonista do anime já tinha em mente o que iria fazer caso o caderno realmente funcionasse. Inclusive, ele ficou testando várias vezes com várias pessoas os tipos de morte e os mecanismos do caderno sem se compadecer ou se assustar. No filme, porém, o menino chega a cair no chão, gritando aterrorizado.
Esse, aliás, é outro ponto que deixou bastante a desejar: a inteligência de Light. O garoto, que deveria passar com todas as honras para a faculdade, não consegue sequer decorar as regras do caderno (que, sabe-se lá por qual motivo, acharam que seria uma boa ideia aumentar).
Há também uma cena (que não há no anime) em que ele vê no caderno um aviso para não confiar no Ryuk. E está ali, bem escritinho, com todas as letras , para quem quiser ver, em uma página aleatória, cheia de outros nomes de uma galera que provavelmente está povoando o além, certo? Então, um pouco mais à frente no filme, Light fica nervosinho com o shinigami e ameaça colocar seu nome no Death Note, o que causa risos do deus da morte, afirmando que nunca conseguiram escrever mais de duas letras de seu nome. Mas então, é mentira, o nome está lá, conforme visto anteriormente… Que furo, né? Aguardo uma explicação.
Falando no Ryuk, talvez seja o único fator bom no filme. A voz de Willem Dafoe ficou incrível para o personagem e sua aparência também estava bacana, assustadora, como deve ser. Porém também deixa a desejar, uma vez que o personagem pouco aparece e devia, na verdade, funcionar como alívio cômico da história e estar sempre presente, por que é de seu interesse acompanhar qual será o rumo que todo o plano de Light iria tomar e o que irá acontecer com o caderno. Também teria sido divertido explorar seu vício por maçãs…
Outro personagem que também deixou a desejar foi o L. O mais brilhante detetive de todos os tempos, que premeditava os passos do Kira e o colocava contra a parede, de repente não pareceu mais tão inteligente. Talvez para acompanhar o ritmo de Light? Quem sabe? Embora alguns de seus gostos trejeitos sejam respeitados (como a adoração por doces e a forma de sentar) ele não parece tão delicado e concentrado como o anime costumava retratar. Aquele que sempre pensava antes de agir e ficava horas analisando uma fita ou um fio de cabelo agora chega a perder a calma e agir impensadamente.
O filme perde muito nesse quesito. Não vemos as inteligentes cooperações entre Kira e L, não temos toda a arrogância de Light em se achar um “deus” (embora seja citado, não é exatamente explorado. Fica só como uma frase solta no meio do filme) e também não vemos sua frieza nos assassinatos e em seu relacionamento abusivo com Misa (que agora se chama Mia).
O que nos leva ao ponto do relacionamento mais raso e maluco de todos os tempos. Mia não dá a menor importância para Light e, de repente, quando ele lhe mostra o caderno, tudo vira uma enorme paixão adolescente que divide o tempo entre matar criminosos e transar. Quando, do nada, vira um grande amor fugaz, cheio de idas e vindas que chega a dar raiva. A garota também é mais esperta e corajosa que o protagonista e faz dele gato e sapato para conseguir o que quer, arranca páginas do Death Note, mata pessoas contra a vontade de Kira e ainda arma um esquema para roubar o caderno dele. Mas ué, cadê o amor?
A personalidade dela é completamente alterada, chegando a se parecer mais com o Kira do anime do que o próprio protagonista. O problema é que Mia não tem exatamente um motivo. Acredito que quiseram trazer nela a representação do Light original, que matava os criminosos para criar um mundo “melhor” onde fosse louvado como um “deus” e todos tivessem tanto medo de suas punições que resolvessem não cometer mais crimes. Não vemos nela a frágil Misa Amane, que perdeu os pais e ama tanto o “justiceiro” que vingou a morte deles a ponto de se deixar usar para ajudá-lo em seus planos.
Misa possuía seu próprio shinigami, Rem, e seu próprio caderno também. Ela não dependia de Light para matar, mas optava a se aliar ele por pura gratidão. O deus da morte dela também faz bastante falta no filme, pois impunha a Kira a responsabilidade de mantê-la viva caso quisesse continuar vivo também e duvido piamente se ele mesmo não a teria matado caso não fosse isso.
Uma outra coisa que fez falta foram os olhos de shinigami que Misa possuía. Eles sequer são citados, não há a hipótese de consegui-los durante todo o filme e era uma das coisas mais legais do anime, pois servia para confundir a cabeça de L em determinado ponto (quebrando o conceito de que se precisava de um rosto e um nome para matar) e também deixa menos relevante a presença dela para o andamento do plano.
Também não é muito retratado o relacionamento de Kira com seu pai. Ao que vemos, eles se desentendem e não se parece em nada com o que era retratado no anime, pois o bom comportamento de Light o tornava sempre acima de qualquer suspeita. No filme a mãe dele foi morta, e até compreendo que quiseram matá-la para dar um motivo ao garoto de querer punir todos os criminosos do mundo, porém, se Mia funciona sem uma razão para querer ser endeusada, por que ele não?
Dentre todas as falhas e situações embaraçosas que ocorrem durante o filme, a pior é o final. Finalmente vemos um resquício de inteligência em Light, mas que ainda não é suficiente para vencer L, e ainda há margem para uma continuação. Essa possibilidade de uma sequência não agradou nem um pouco, pois agora é totalmente imprevisível o que pode surgir e, francamente, não há boas expectativas. Nós não gostamos de apenas criticar os filmes ou dar notas muito baixas, pois desmerece um pouco o trabalho da produção e dos atores.
Infelizmente não há muito o que salve Death Note (mesmo sem considerarmos a obra original) devido suas inconsistências nas regras do caderno e a descaracterização dos personagens no decorrer do longa, sem dar a eles a profundidade necessária e também não dando a entender quais os principais aspectos da personalidade de cada um.
O próprio filme não sabe o que quer ser. Não fica claro se é ou não uma adaptação, se é terror, suspense, comédia, aventura e até a trilha sonora fica perdida em toda essa confusão, oscilando de rock para uma balada romântica e em seguida para algo mais divertido. A fotografia também não é muito atraente e por vezes nos perdemos no raciocínio dos acontecimentos.
Desculpa Netflix, nós te amamos, mas precisava ser dito.
Nota: 03